13 de novembro de 2008

Leituras

O meu pai tinha-me destinado para futebolista. E, de facto, até aos doze anos, ele teve motivos de sobra para acreditar que eu satisfaria o seu sonho.
No futebol de bairro e, tempos depois, aos onze anos, quando tentei uma curta e descrente carreira como iniciado no federado, dei mostras de, como ele gostava de dizer aos amigos nas tertúlias de vinho tinto com chouriço e ovos "ter garra".
Foi sol de pouca dura: a tal de garra, se é de facto que cheguei a tê-la, cedo se desgastou e deu lugar a outras apetências, outros apelos mais terrenos pelo que tinham que ver com a carne.
Junto com outros quatro da minha laia, dei de formar um grupo musical que aos fins de semana tocava musica brasileira ou sungura em bailes de terceira nos botecos dos subúrbios de Lourenço Marques a troco de um montinho de moedas ou cinco litros de tinto com atum e ervilhas, tardes dançantes por nossa conta no botequim Twist com aparelhagem alugada no Cebolo ou festas de aniversário e casamento de algum familiar mais liberal e tolerante pois, a dizer a verdade, nunca ultrapassamos a faixa da mediocridade!
O meu pai cortou-me a mesada: "não vou pagar estudos a um vadio. Se queres continuar a estudar fá-lo por tua conta. De resto já es um homenzinho".
Passei a levar uma vida de boémio adulto e assumido: nunca estava fora da cama antes das 11H00, alimentava-me frugalmente onde e quando calhasse, consumia thc, nadava em hectolitros de vinho e frequentava a Rua Araújo pela madrugada, depois dos ensaios com o meu grupo ou de passar por um palco com pagamento feito imediatamente após o show.
O meu pai começou a minguar.
Deu-lhe de passar todas as horas livres nos reservados que funcionavam nas traseiras da cantina do Simões, com elas e vinho verde, permanentemente em estado de semi-inconsciência.
A minha mãe nunca me perdoou o estado a que conduzi o seu marido e desejou-me todos os males que se podem desejar a um Homem.
O seu desejo cumpriu-se: Mas sempre que me vê não resiste à tentação de chorar o meu destino: o seu filho único tornou-se um farrapo.

Savana - 13 Novembro/2008

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